sexta-feira, 30 de março de 2012

Caracóis de Sonhos



Devagar trepa a folha longa, com a sua concha redonda, perfeita!
Tem apenas aquele objetivo, por agora…
Uma tarde imensa chega para aquele fim.
Ao lado, passa alguém muito apressado
Aquela tarde é pequena para ali.
E de redes e cordas nos unimos de compromissos.
Os dias fogem, os anos correm e a vida abrevia,
Na pressa de querer, no egoísmo de ter, na força de ir.
A concha redonda agora desce a longa folha
Atrás de si deixa um brilho do prazer que foi aquele momento.
Ao lado, um rosto amarrotado sonha com saudade daquilo que não fez
Agora com tempo observa a beleza da concha perfeita.

Identidade



Ser é uma questão difícil de refletir, sentido da vida tão ambíguo,
Tão triste e malfadado, maltratado pela existência.
Impõe a alegria como sentido, amar como destino, fado como lamurio.
A minha alma é lusitana de tristeza,
Descende de ricos patrimónios de descobertas.
Sou a luz da esperança, porque sonho e crio o meu destino.
Sou a imensidão do horizonte, porque sei que sou imenso.
O mar é a minha alma, tão grande, volátil e ensejo,
Tão forte e quebrável na areia, que é o meu estar.
Sou as formas, que querem que seja, sou a luz que ilumina os que me seguem,
Sou a força que impõe o meu ser.
A estrela guia do sentido da vida, mas quero ser eu e não consigo.

Enigma



Depois de ouvir os ensinamentos, descobri o que era viver,
Neste mundo vazio de pensamentos, regras e desígnios.
Se vou para a esquerda olham e tropeçam,
Se à direita encontro o dom da vida, a crítica atormenta.
Quero ser feliz, mas não sou capaz.
Olho o céu em busca de uma esperança.
O céu responde-me:
Vai! Segue a energia! Muda… a vida não te quer aqui.
Busca o teu eu, afasta o que és.
Sei o que quero, que está fora de mim,
Mas… eu quero ser feliz! Poço?
Não! Porque isso é muito forte. Saí!

Rumos



Adeus! Foi a palavra mais lilás que proferimos na despida,
Um bege que imortalizou um momento de união,
Rosa de amor e descoberta.
Gostava de vestir o verde dos campos e o castanho da terra,
Ter a esperança da imensidão do azul do mar.
Olhar o horizonte branco e sentir o descampado das emoções.
Sentir o que experimento no encarnado desejo.
Transmitir a vastidão das descobertas como o amarelo da luz,
Da vida, no pranto do meu incolor sentir.
Gostava apenas de ser feliz como o pássaro que voa cinzento de liberdade;
Independência de ação como o branco da folha,
Que cai da árvore da vida azul escura, incógnita.

terça-feira, 27 de março de 2012

Canta-me Uma Canção



http://gorpacult.blogspot.pt/2012/03/musica-alem-da-partitura.html















Uma melodia espera por nós
é a fantasia de quem quer o amor
como nota musical que se estende em do maior
é o maior dos sonhos meus.

Melodia que começa com um acorde suave e subtil
faz vibrar o nosso templo e a destempo me sorri
som que toca até o infinito e que chega ao coração
ainda ouço a tua voz dentro de mim.

Canta-me suavemente ao som dos meus sonhos
uma canção de amor que fale por ti
canta-me uma doce melodia
que faça viver a mulher que há em mim.

Canta-me em clave de sol
para não arrefecer o coração,
canta-me com as notas ao vento
que soprem mais além do pensamento
e transmitam esse sentimento
que te faz abraçar a vida

Canta-me uma melodia capaz de
parar o tempo e o momento de amar a tempo,
melodia de uma sinfonia de um amor
que vai e vem ao som do querer.

Mariajoao 21/08/2011.

Retalhos de Paixão

Quadro pintado a óleo por Mariajoao nas aulas da Provectus.

Às vezes tenho saudades,
do tempo que não vivi...
das pessoas que não conheci,
dos amores que não encontrei...

A vida que vivi às vezes...
passou das vezes que a vivi!
Com os olhos da primavera,
que pousou ao pé de mim...

Às vezes tenho saudades,
do teu olhar calmo e sereno...
da tua voz carinhosa,
do teu abraço tão forte...

Da terra molhada em lágrimas...
do corpo molhado em suor...
De um dia de céu azul!
De uma noite calma e serena...

Às vezes tenho saudades,
desses retalhos de paixão...
paixão vivida aos retalhos,
cada uma da sua cor...

Retalhos que são os amores
de uma sinfonia incompleta.
Retalhos que nada são...
mas juntam tudo o que eu sou...


Maria João FS.
04/02/2012

segunda-feira, 26 de março de 2012

Amanhã é Domingo

Amanhã é Domingo, disse ele, por cima do sorriso mais aberto e espontâneo que conseguira ensaiar em vários anos de desejos abafados. “Vejo-te amanhã?” tinha-lhe eu perguntado por cima da minha ingenuidade quase perdida em vários anos.

Amanhã é Domingo, disse ele, por trás do seu olhar de sincera confiança e intimidade e eu vi todo o seu esforço para que eu não visse, aquilo que eu vejo quando olho nos seus olhos e o sinto dizer Amanhã é Domingo.

Amanhã é Domingo, repeti eu, por cima do sorriso mais doce e tímido que conseguira ensaiar em vários anos de sorrisos inconformados.

Amanhã é Domingo, repeti eu, e ele viu por trás do meu olhar a sincera aceitação que eu mostrei mas esqueci de sentir anos atrás.

Amanhã é Domingo, repetiu ele, na necessidade de reafirmar o Domingo como apenas Domingo, apenas um dia na semana. Eu calei a insegurança e ele viu contentamento.

Amanhã é Domingo, repetiu, com o seu sorriso fácil – forçado – só eu sei – tentando mostrar tudo o que para além dos Domingos há entre nós. Ele mostrou a segunda e eu vi o dia antes, ele falou na terça e eu temi o sábado. Ele não mostrou mas eu vi. Eu vi. Eu vi.  

Amanhã é Domingo, repeti com o meu sorriso treinado – forçado – só eu sei – tentando esconder a tristeza dos Domingos em que fico sozinha chorando o desejo secreto de trocar todos os dias meus pelos Domingos que não me dá. Ele não mostrou mas eu vi. Eu vi. Eu vi.

Ele mostrou-me os finais de tarde, passados todos os dias. Todos os finais do dia, num quarto arrendado, numa rua estreita, vestidos pelo desejo e desnudados pelos lençóis. E eu fechei os olhos e vi os amanheceres a dois onde eu não estou, os jantares tardios debaixo da luz amarela da cozinha enquanto eu janto sozinha numa sala vazia.

Amanhã é Domingo, pensámos os dois, suspirando para disfarçar a ansiedade de não nos vermos um dia, de não nos termos um dia, de não nos sabermos um dia. Um dia. Apenas um dia. Como eu queria ter na tua semana esse um dia.

Amanhã é Domingo, pensou ele, e viu os chinelos junto ao sofá, a chávena de café aquecendo a mão e o jornal aberto sobre os joelhos para ver o dia lá fora e esquecer o de dentro.

Amanhã é Domingo, pensou ele, e viu as cartas cansadas sobre a mesa ao final da noite. Viu o gelo derretido no final dos copos, no final das conversas, no final das vidas, que já não são nossas, mas que se recordam ainda e impacientemente se revivem. Viu o peso de muitos anos que não o fizeram sentir-se feliz.

Amanhã é Domingo, pensei eu, e vi os sorrisos trocados, por trás das mãos encontradas em locais onde as mãos não andam nem se esperam, vi os beijos tímidos, que já só tímidos podem ser, por entre os flashes das fotografias de Domingo.

Amanhã é Domingo, pensei eu, e vi o corpo dela meio despido sobre a cama, no final da cama, no final da noite, no final da vida. Quando a vida já não sabe ser outra vida mas as vidas se querem ainda, reencontram, rebuscam. E eu me sinto triste assim sem ti, que não consegui ter em tantos anos.

Domingo é um bom dia, disse ele, sem saber o que dizer, quando sentiu em mim a tristeza de saber já ser Domingo novamente.

Domingo é um bom dia? Disse eu com o olhar, quando o perguntar não soube fazer-se pergunta.

Domingo é um bom dia, disse ele, querendo mudar rapidamente o assunto. Vestiu o seu tom grave - tão natural! não o soubesse eu  ensaiado para fugir dali – e falou de como a Segunda se segue ao Domingo, da Terça que vem depois e de tantas coisas que ele diz quando não diz nada e que eu não oiço quando a única coisa que faço é ouvi-lo.

Domingo é um bom dia, disse eu, quando senti que mais nada poderia ainda dizer. Guardei a minha mão para mim, porque sei que não são minhas as suas mãos quando me fala assim. Olhei com um olhar vazio, porque sei que não são meus os seus olhos quando me olha assim. E bebi todas as suas palavras, mesmo sabendo que não fala para mim quando me fala assim.  

Mas não foi Domingo ainda ontem?, perguntei eu, quando me calei no meu silêncio.

Mas não foi Domingo ainda ontem?, perguntou ele, quando não teve coragem de dizer mais nada.   

Amanhã é Domingo, repetimos os dois, enquanto nos vestíamos em silêncio e nos despedíamos com os pequenos gestos de sempre.

Domingo é um bom dia, disse eu, na última vez que nos beijámos, quando quis que o beijo fosse mais o mais forte e quente dos nossos beijos mas também o mais suave e descomprometido de todos eles.

Domingo é um bom dia, disse eu, enquanto lhe perguntava se podia sair eu primeiro naquela noite, enquanto o ouvia responder que sim, acenando com a cabeça e sorrindo demasiado. Que fosse eu primeiro, que tomasse cuidado para não ser vista, que chegasse bem a casa, que passasse um bom Domingo.

Domingo é um bom dia, disse eu, na última vez que nos vimos, quando olhei sobre o ombro ao sair pela porta e murmurei quase sem mexer os lábios; quando desci a rua estreita e mal iluminada, sentindo as gotas que depois da chuva ainda pingavam das árvores; quando fiquei descalça e caminhei junto à linha do comboio.

Domingo é um bom dia, soube finalmente quando sorri, pensando que, depois de tantos anos, um Domingo seria finalmente meu; quando esperei pela luz que se aproximava e atravessei… Sim, Domingo é um bom dia... para o meu funeral.

sábado, 24 de março de 2012

O autocarro já passou


O leão comia um belo bife sentado na esplanada do bar,
As nuvens malabaristas, que saltitam de lá para cá,
São umas verdadeiras artistas. 
No jardim zoológico os carros voam com asas gigantescas de cartão
E os elefantes às riscas comem trombas de chita.
- Se estiver com dores na unha vou ao dentista
Diz o malabarista sem braços
Mantendo três focas no ar.
Mas o dente doía tanto que até o pé tremia.
Ao olhar pelo dentista, vi uma janela sem dentes.
Se o elefante soubesse, hoje não tinha chovido.
Agarra o trapézio, que o autocarro já passou!
Boca fresca, só lavando três vezes com as malas à porta.

Insónia


Completamente escuro
Ouve-se uma sirene
A mulher acende o candeeiro.
Estão ambos (H e M) deitados na cama, a mulher acendeu o candeeiro do lado do Homem e encontra-se debruçada sobre ele que está de costas.
H – São horas?
M – Não. Ainda não.
H – Dorme.
M – Não consigo.
H – Queres falar? (vira-se para ela)
M – Não, deixa… É tarde. Dorme.
(o Homem vira-se, ela apaga a luz)
Pausa
M- Miguel?
H – Sim?
M – Estás a ouvir?
H- O quê? (acende a luz)
M – Qualquer coisa na rua. Não tenho a certeza. Se calhar é um cão. Não ouviste nada?
Homem senta-se. Pausa
H – Queres que vá ver?
M – Tenho a certeza que ouvi um carro.
Homem levanta-se, vai até à janela e abre-a
H – Não vejo nada.
M – Sim, se calhar não é nada. Anda, vem aqui para ao pé de mim.
Ele fecha a janela e deita-se.
M – Tens os pé frios.
H – Está frio lá fora.
Ela apaga a luz e volta a acender.
M – Podemos falar um bocadinho? Tenho medo. Eles, eles… E se eles…?
H – (abraça-a) Não tenhas medo. Eu estou aqui.
M – Prometes?
H – Claro que prometo. Lembras-te quando nos conhecemos?
M – Isto é diferente. Se eles vierem…
H – Dorme. Não vêm. Não sabem onde estamos.
M – Escuta. Estás a ouvir? (levanta-se e vai à janela) São eles. Tenho a certeza que são eles. (corre a cortina)
H – Vês alguém?
M – Não.
H – Então?
M – Mas vi uma sombra a virar a esquina.
H – Devia ser um cão. Andam por aí alguns.
M – Não! Tenho a certeza que eram eles. Olha, vem ali outra vez. Estou a vê-lo.
(ele levanta-se e corre até à janela)
H – Não te disse? É só alguém a passear o cão.
M – E tu achas mesmo que alguém anda a passear o cão com este frio? A esta hora?
H – Não sei que horas são.
M – Ora, não te faças de parvo! Achas que tens piada? Não levas nada a sério. Tem alguma piada, é? Eu não quero morrer.
H – Não sejas parva. Não nos vai acontecer nada.
M – Também não vinha ninguém atrás de nós e vê bem no que estamos metidos. (começa a andar pelo quarto, exaltada) E dizes tu que gostas de mim? Não levas nada a sério. Não se pode confiar em ti. A culpa é toda tua. Não és homem, não és nada. Nem consegues tomar conta de mim. Não disseste que me protegias?
H – (abraça-a) E protejo. Estou aqui.
M – Nunca ouves o que te digo.
H – Ouço. E por ouvir é que acho que estás a ser parva. Tenta acalmar-te. Tomaste os comprimidos?
M – Tomei.
H – Então acalma-te e vamos dormir. (encaminha-a para a cama) Toma, bebe um pouco de água. Estes nervos. Tens que te controlar. Não é bom. Imaginas coisas.
M – Eu não imagino nada!
H – Sim, eu sei. Mas agora vamos dormir. Estou cansado. Tapa-te, está frio. Vais ficar doente. (deita-se também)
M – Deixa a luz acesa. Tenho medo.
H – Ok, mas dorme. Já é tarde.
Pausa. Dormem
Ouvem-se passos bruscos pela escada e batem à porta.
M – Eu não te disse que eles vinham? (assustada)

O meu gato


Desconfio que o meu gato não é um gato verdadeiro. Tem quatro patas, bigodes que picam e rabo comprido como os gatos, mas não parece um gato.

Quando a vizinha Ana o trouxe, dentro de uma caixa de sapatos, vi logo que não era um gato como os outros.

Primeiro pensei que era o gato de uma bruxa e vinha para me obrigar a comer feijão verde, mas o meu gato não podia estar menos interessado naquilo que eu como. Além disso, foi a vizinha Ana que o trouxe e ela é simpática e tem sempre os bolsos cheios de rebuçados coloridos para partilhar.

Mas tenho a certeza de que ele não é um gato a sério. Tem um bacio azul e senta-se nele para fazer xixi e, quando a mamã não está a ver, fala comigo. Juro que fala! Mas não sei o que me diz porque não conheço a língua.

Talvez seja um extraterrestre disfarçado. Isso explicaria porque tem um olho de cada cor e mia às estrelas. Para provar a minha teoria tentei espreitar dentro da boca mas ele mostrou-me os dentes grandes e afiados e fugiu. É muito suspeito!

Também pode ser um espião estrangeiro, talvez da guerra fria de que fala o avô. Afinal esconde-se de nós quando passamos por ele e gosta de espreitar pelas janelas do vizinho.

O meu gato até podia ser um amigo mas dorme todo o dia, sai à noite pela janela e não entendo nada do que ele diz. Excepto daquela vez em que eu sonhei que um comboio de braços gigantes me levava para dentro da noite e o meu gato veio deitar-se junto a mim e miou baixinho “Gosto de ti”.

domingo, 18 de março de 2012

Agenda de Março

A Alma da minha avó, como ela lhe chamava, sempre me fascinou. Foi por isso que, assim que regressámos do seu funeral corri para o quarto à sua procura. Não fosse algum dos outros vinte e sete sobrinhos netos ter a mesma ideia.
Às vezes a minha tia avó sentava-se na cama e acariciava os ângulos da sua alma retangular.
Encontrei-a, no alto do armário, lisa como a esperava, por baixo do pó acumulado. Sentei-me, agora eu, na cama e, pela primeira vez, toquei nas fotografias que até ali só tinha visto de longe. Divididas por épocas, não tinham cenas proibidas ou segredos escondidos, apenas o meu tio avô, que eu mal conhecera, retratado ao longo de cinco décadas.

Poema das Seis Palavras

Apenas o preto permanecia castanho
Os prados, outrora brancos
Agora perdidos na concha do céu
Pairando sobre o céu
Traído por uma Maria
E preso nas artroses da memória.

Cama de Cristal

A Raquel percorreu todo o corredor esverdeado, até chegar à última porta. Sentiu o cheiro a éter habitual e abriu com esforço a porta cinzenta. Ao centro do quarto, descoberto, no extremo do lençol branco, o rosto pálido e muito envelhecido. Nove décadas e meia de rugas e a serenidade de quem viveu. A Raquel pousou sobre o rosto uma mão e perguntou
- Mamã? Estás acordada?
Abri os olhos e notei que o quarto mudara: o cesto da fruta sobre a pequena mesa de apoio com rodas transformara-se numa jarra com flores cor de Kiwi e ameixa. Na minha mão ainda via as picadas das  agulhas mas, ao lado da cama, onde a enfermeira deixara um saco de soro pendurado, num gancho metálico, estava agora uma Cama de Cristal muito pequenina. Dentro da cama pequenina, dormia uma bebé, numa manta cor de rosa.
As minhas mãos, outrora frágeis, manchadas, enrugadas, velavam agora, firmes e suaves, por aquela bebé, deitada numa cama pequenina e transparente.
Uma sensação de eterno invadiu todo o quarto. Entre as duas, um amor calmo. A Raquel, despediu-se em silêncio, com o mesmo amor com que eu a cumprimentei no primeiro dia.  

No dia do Terramoto


1 de Novembro de 1755 às 9:30 da manhã, Igreja de S. António. 5 mulheres assistem à missa celebrada pelo Prior Manuel Francisco. De repente, tudo começa a tremer violentamente.

Prior 
Minhas filhas. Estamos aqui para lembrar os nossos entes queridos que já nos deixaram. Mesmo aqueles que não tenham sido assim tão queridos. Todos merecem a nossa oração. Mesmo as ovelhas tresmalhadas devem receber o louvor de Deus e nós, como bons cristãos, devemos orar por todos. Deus quer-nos bons. Quer-nos a amar o próximo. Deus mostra-nos sempre o bom caminho e quando não o seguimos mostra-nos que estamos errados. Que é isto… 
(O prior está no altar a fazer a homilia quando o chão começa a tremer) 

1ª Mulher 
O que é isto meu Deus! 
(Colocando as mãos sobre o peito) 

2ª Mulher 
O chão está a tremer. Não pára! 
(Olhando para trás vendo que a igreja estava vazia) 

Prior 
É um terramoto. Vamos minhas filhas. Vamos para a rua. Depressa. 
 (Disse o prior saindo do altar) 

3ª Mulher 
Temos que ir depressa que isto não pára e a igreja ainda nos cai em cima da cabeça. 
(Levantando-se enquanto começam a cair pedras do tecto) 

1ª Mulher 
Ai minha filha que são os mortos a quererem vir novamente ao mundo. Que Deus nos acuda. 
 (Segurando com força no braço da 2ª Mulher enquanto se levantava do banco) 

4ª Mulher 
Sr. Prior é Deus que nos está a dizer que andamos pelos maus caminhos? Está a castigar-nos? 
(Fitando o padre enquanto este já estava junto dos bancos) 

Prior 
Venha D. Lurdes. Não pense nisso agora. Deus perdoa tudo aos pecadores. 
(Disse o padre enquanto lhe pegava no braço e a encaminhava para a porta da igreja) 

2ª Mulher 
Vamos morrer todos aqui debaixo das paredes! 
(Disse gritando olhando para o tecto com os braços no ar) 

Ao chegarem ao adro da igreja estavam dois homens a conversar calmamente como se não se tivessem apercebido o que estava a acontecer. Diziam:
1º Homem 
É incrível, é incrível 

2º Homem 
Ouviu a novidade compadre Sebastião? 

1º Homem 
 Sim ouvi compadre Zé. O alcaide foi traído pela mulher, por ciúmes.

 2º Homem 
Eu já me deixei disso… 

1º Homem 
Pois, ele toma um bálsamo novo das índias. 

2º Homem 
Sim, toma. Mas acho que são umas mesinhas caseiras. Anda sempre atordoado. 

1º Homem 
Vejo-o sempre a chegar muito direito. 

2º Homem 
E com roupa de barões. 

1º Homem 
Dizia mais que com roupa de viados.

Pulseira de Madeira

Olhei e maravilhei-me. Era grande mas tinha um aspecto leve. Fugia pelos carris fazendo dançar as cabines forradas a madeira clara. Eram quadros geométricos extensíveis que iam e vinham acordando a paisagem que teimava em querer dormir sem receios, sem sustos, sem vontades.

Poema desconstruído

Sentia o azul na pele
Escapolia o cavalo flores naquela seia
 Cheia de peixe cintilantes
Que nasciam dos frutos estrelas
Rita queria bebe-los

Impertinente

-Sai daqui. O baloiço é meu. Anda, empurra-me. Cheguei primeiro. Gritava com o irmão que também queria estar no baloiço. Era mais nova que ele e por isso ganhava sempre este tipo de lutas. A sua desculpa era o ano e meio que tinha a menos que o irmão e que servia de desculpa para levar a sua vontade acima da dos outros. Tinha percebido como devia fazer para fazerem sempre o que queria e a sua estratégia demonstrara-se vencedora. Um grito agudo ensurdecedor e uma cara de choro e poucos amigos. Receita infalível.
Foto: http://pedeumdesejoo.blogspot.pt

Fotografia

A imagem é de alguém feliz pela vida. Ri e irradia aquilo que a circunscreve, irradia-me a mim que a vejo. Tem uma luz no rosto que preenche aquilo que anseia.
Foto: http://blogantes.blogspot.pt

terça-feira, 13 de março de 2012

A Cadeira

cadeira.gif
"cadeira.gif" em http://fotos.sapo.pt/ajjs/fotos/?uid=Qw9SGyDqtwByo3NSgDCp

No dia 1 de Março de 2012 à entrada do prédio, a porta entreaberta espera pelo Luís que teima em não entrar, os seus olhos grandes iluminam o espaço, a sua voz trémula e medrosa repete muitas vezes: 
-Não quero! Não quero! 

Mas a força do momento é maior e o que tem de ser feito é inadiável. Uma pequena e estreita cadeira espera por ele, senta-se devagar e pensa: 
-Sim! Sim! É preciso!! 

As dúvidas o atormentam e pensa: 
-Será que doí? 
-Não quero, não! 
-Quanto tempo vou ficar assim? 

A campainha toca, acaba a tortura, o Luís olha para o seu corpo, mexe, balança e confirma, não lhe falta nada! 

Agora só resta fugir de tudo o que lhe rodeia, os amigos esperam por ele e respira, respira de alívio, tudo o que pensou ficou para atrás das costas. Afinal entrar num hospital não é para ficar lá! 

À saída telefona a uma amiga e pergunta: 
Luís-Onde está o metralha? (Metralha é a alcunha do seu melhor amigo, quer partilhar as dúvidas com ele) 
Amiga-Olha, não me digas nada. 
Luís-E o metralha? 
Amiga-Então conta lá tudo... 
Luís-A sério? 
Amiga-Lá está, segunda-feira vou aí, não leves a mal é a bateria. 
Luís-Desculpa, vai ter comigo, tens que dar o recado? Estou a brincar... 
Amiga-Rsssssssssss 


Mariajoao 10/03/2012

Leitura Trágica



Era Maio de 1893, uma sala escura. Leonor lia o livro de Dennis Diderot Jóias Indiscretas. O seu rosto alterava-se com espantos, sorrisos e abanava-se com rápidos movimentos. Fixava com nervosismo a maçaneta da porta.

LEONOR
Se entrasse por aqui o senhor meu pai, ai!

(O livro é folheado depressa, a ação do livro é empolgante. Leonor lê em voz alta.)

“Quer dizer que o senhor gostaria que eu fosse um pouco burra?” Ao que ele responde: “Por que não? Isso nos aproximaria, e, portanto, nos divertiríamos muito mais. É preciso uma imensa paixão para suportar uma humilhação atrás da outra.” Se a minha madrinha soubesse ou sonhasse que leio um romance proibido, desmaiava ou morria de desgosto.
“As mulheres andam vestidas lá?”, pergunta Mirzoza. Responde Mangogul: “Certamente. Mas não é por obediência, é por sedução – elas se cobrem para atiçar o desejo e a curiosidade...” então, este relato levaria ao seu último suspiro.

(De repente, ouvem-se passos, a maçaneta da porta move-se, atrapalhada, Leonor coloca o livro entre o xaile que prende à cintura e o seu ventre toma forma. Entra a mãe, uma mulher austera e a criada fiel cordeirinha e muito metediça).

CRIADA
Menina! Aqui sozinha? A sala está muito escura!

(Abre as cortinas com rapidez, o espaço ilumina-se.)

MÃE
Leonor, o que faz aqui na sala tão escura?

CRIADA
Sente-se mal menina? Parece que não está bem! O que é isso?

(Aponta de forma descarada para a barriga de Leonor. A mãe apercebe-se do pânico que Leonor sente, olha-a de modo fixo e com ar de espanto.)

MÃE
Está de esperanças? Que vergonha, como foi isso acontecer?… Estou a sentir-me muito mal!…

(Cai desmaiada. A criada socorre-a, enquanto de revês olha para Leonor.
Leonor paralisa imóvel. A azáfama do momento, os sons de desespero da criada chamam a atenção do pai, que entra na sala, vê a mulher caída e a criada aflita).

PAI
O que se passa aqui?

(Olha o rosto da filha.)

LEONOR
Senhor meu pai, eu explico…

(Os nervos do momento fazem com que o livro caía no chão. A criada grita.)

CRIADA
Deu à luz um livro!… Acorde minha senhora! Acorde! Não passa de um mal-entendido!...

(Esbofeteia várias vezes o rosto da senhora. O pai apanha o livro do chão, lê e passados alguns segundos olha a filha, uma forte dor no peito fá-lo cair. A criada grita.)

ah…ah…ah…ah…ah…ah…ah…ai…ai...ai…que desgraça, olhe o que fez!

(A mãe acorda nesse momento aturdida, quando vê o marido caído no chão, jazido, começa a uivar de dor).

MÃE
Aaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiii!

(Os gritos acabam com um desmaio. Leonor chora agarrada à sua própria cara).

CRIADA
Que desgraça se abateu nesta casa, a menina não pode ser merecedora de felicidade. Este livro tem artes maléficas!!!

(Benze-se e joga-se ao livro para despedaçá-lo. Leonor evita tal ação. Durante algum tempo a criada disputa até o arrancar das mãos de Leonor e guarda-o no avental. A mãe acorda e, ao ver o marido, não consegue parar de chorar).

MÃE
Isto é muito grave… Sim, isto é muito grave! Viúva fiquei meu amor que partiste sem despedir-me de ti!

(Ajoelhada ao pé do marido faz-lhe festas na cabeça, volta a olhar para a filha, desta vez com ódio e grita de seguida.)

Espera-te a clausura do convento!

FIM

domingo, 11 de março de 2012

O Carrinho do Vasco


Era um dia especial para Mary. Ia receber um prémio pelo trabalho desenvolvido ao longo de 30 anos. Mary levou dias a magicar o que iria vestir nesse dia. Após visitar diversas lojas, conseguiu vestir-se com design e muito estilo.
De azul-marinho com um padrão liso e com uma mala compacta, Mary conseguiu encantar na cerimónia: pelo que disse e pela sua exuberante apresentação.

Bálsamo



Branco e extenso, guarda pacientemente as lisas paredes pintadas a tinta plástica, que tornam eternas e laváveis as pequenas histórias de inúmeras vidas.

Isqueiro Roxo

Chama.gif
O plástico cobre uma superfície suave e
o fogo aquece as ideias ao vento.
                                                             Mariajoao em 10/03/2012     







Imagem em http://fotos.sapo.pt/eduardojoao/fotos/?uid=kloKk6bE3Qy2PQ4q1RJs

A Nuvem Lavrada



Pico acima das nuvens
"Pico acima das nuvens" em http://fotos.sapo.pt/jomacedo/fotos/?uid=Un0zyVd0TogA8OeZkS3U
No azul celeste do ar
A terra cruza o espaço
Um cataclismo brinca isolado
Longe da nuvem lavrada
Onde se encontra a Leonor
Pois pensa ter um hiperparatiroidismo

Mariajoao em 03/03/2012

Frasco de Verniz Vermelho



Uma presença na sala destacava-se pela sua forma quadrada,
a sua cor preta e a sua aba circular.
As teclas eram espalmadas e tocava notas soltas.

O Caminho

Largo de São Francisco em Faro
No caminho curto da vida às travessas, faço sem pensar o que preciso para viver num dia qualquer, numa manhã igual as outras.

Num gesto banal puxo a persiana, afasto o cortinado e deixo passar o sol, o pequeno almoço a dois decorre sem sentido, ou mais, com o grande sentido de alimentar o corpo da energia vital e descobrir que a vida corre o risco de passar todos os dias por igual.

Em cada passo dado me empurro lentamente, em cada gesto diário descubro que sou gente, um, dois, três e mais minutos sem fim separam esta vida de um mundo irreal, o ar que respiro entra e sai de mim lentamente ao ritmo de cada passo até chegar ao fim.

Visão do dia a dia igual a muitos dias, passa a estrada da vida numa passadeira branca, o tempo corre veloz e não espera por mim, num mundo a correr são muitos os que me acompanham, neste solitário caminho que é só uma forma de viver, me acompanham adultos e crianças de todas as cores e tamanhos cada uma com o seu mundo, cada uma com um pensamento, cada uma com um sonho.

Chego ao meu destino e muda o cenário, o palco já é outro, o público espera, uns, vestidos de gala outros de dor infinita à espera que o sol brilhe a todos por igual.

O caminho chega ao fim e começa a melodia, com vozes diferentes, agudas e graves que deixam ver as almas, numa melodia cantada ao som de uma lágrima, de um sorriso, de um beijo ou de uma despedida, uma melodia com cheiro a dor, com cheiro a esperança de viver cada minuto como um minuto qualquer, uma dádiva de vida para ajudar a viver.
Mariajoao em 06/03/2012

sábado, 10 de março de 2012

Ao fundo do corrredor

Um baloiço livre embala a infância ao sabor do vento. O colorido do vestido esconde-se entre o verde, o azul e o amarelo de uma tarde de primavera. No rosto, um sorriso aberto espelha a intensa luz do sol.