domingo, 18 de março de 2012

Cama de Cristal

A Raquel percorreu todo o corredor esverdeado, até chegar à última porta. Sentiu o cheiro a éter habitual e abriu com esforço a porta cinzenta. Ao centro do quarto, descoberto, no extremo do lençol branco, o rosto pálido e muito envelhecido. Nove décadas e meia de rugas e a serenidade de quem viveu. A Raquel pousou sobre o rosto uma mão e perguntou
- Mamã? Estás acordada?
Abri os olhos e notei que o quarto mudara: o cesto da fruta sobre a pequena mesa de apoio com rodas transformara-se numa jarra com flores cor de Kiwi e ameixa. Na minha mão ainda via as picadas das  agulhas mas, ao lado da cama, onde a enfermeira deixara um saco de soro pendurado, num gancho metálico, estava agora uma Cama de Cristal muito pequenina. Dentro da cama pequenina, dormia uma bebé, numa manta cor de rosa.
As minhas mãos, outrora frágeis, manchadas, enrugadas, velavam agora, firmes e suaves, por aquela bebé, deitada numa cama pequenina e transparente.
Uma sensação de eterno invadiu todo o quarto. Entre as duas, um amor calmo. A Raquel, despediu-se em silêncio, com o mesmo amor com que eu a cumprimentei no primeiro dia.  

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